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Quando o Carnaval e os Desatinos se Entrelaçam

Em Crônicas
fevereiro 22, 2024


No coração pulsante da megalópole paulistana, onde as luzes da cidade ofuscam a vista das estrelas, o Carnaval se desenha como um frenético espetáculo multifacetado de emoções se desenrolando entre o retumbar rítmico dos tamborins e o pulsar sincronizado das sirenes.
Blocos carnavalescos avançam pelas estreitas ruas do centro da cidade cadenciados pelos pés sincronizados no samba eletrizante, ao mesmo tempo que as viaturas e ambulâncias desfilam com suas luzes perfiladas pelas grandes avenidas a se confundirem com os coloridos carros alegóricos.
Cantos emocionados ovacionam a passagem retumbante das grandes escolas de samba enquanto gritos de terror clamam ajuda pelos becos sombrios. É nesse cenário, entre a agitação das ruas e o eco das batidas dos tambores, que a euforia se entrelaça com a loucura numa mistura entre a alegria e a dor, dando vida a uma crônica singular.
Na esquina da Rua Xavier de Toledo, uma multidão se aglomera em antecipação à passagem do bloco “Alma Carnavalesca”. Naquele exato ponto, onde o concreto encontra a alma, as linhas entre a realidade e o mundo invisível parecem se desvanecer. E, é aqui, que a nossa história encontra seu espaço peculiar durante o fervor carnavalesco.
Um homem maduro, trajando extravagante fantasia de arauto, chega à concentração do bloco. Em seu olhar penetrante está a denúncia de uma vivência além dos anos, carregando consigo a postura de um comandante. É recebido com uma reverência silenciosa por alguns, enquanto outros o olham com desconfiança e receio.
Em meio aos sons frenéticos dos instrumentos musicais, o homem ergue sua mão e, de maneira surpreendente, a batida da percussão parece se alinhar com a pulsação de um coração invisível, como se espíritos dançassem ao ritmo da festa carnavalesca tornando-se parceiros silenciosos dos foliões que seguem o bloco.
Entre as multidões coloridas, uma jovem chamada Ana se destaca. Com sua energia vibrante, ela é cativada pela presença daquele homem e decide segui-lo, intrigada pela aura de mistério que o cerca. Na mesma medida que o bloco avança, o homem revela-se um insinuante contador de histórias, onde crimes e horror estão entrelaçados com os festejos carnavalescos.
As luzes da cidade começam a cintilar e, sem que Ana se dê conta, já está num beco escuro. Um arrepio frio lhe percorre a espinha e o medo toma conta de seus sentidos ao se ver sozinha ao lado daquele homem. Ana percebe agora que há mais na festa do que apenas folia.
A cidade torna-se um palco onde o visível e o invisível dançam em desarmonia, desafiando a compreensão comum da realidade. O homem, num gesto inesperado segura seus braços, ela tenta gritar, mas seu grito é abafado pelo terror do momento e, como única alternativa, entrega-se ao choro compulsivo.
É neste cenário que Ana passou, num átimo de segundo, da euforia da alegria para distonia da dor. Sem forças para buscar qualquer tipo de ajuda, a moça percebe suas vestes rasgadas e seu corpo esvaindo-se em sangue. Atormentada, sentindo-se abandonada e confusa, de repente sente sua mente em sintonia com a de sua mãe a lhe dizer: “filha querida, vida da minha vida, ergue seus olhos e clama pelo Senhor. Ana, lembre-se, ainda que sua alma se dilacere neste momento de dor, Ele sempre estará por ti.”
Como se fosse um bálsamo restaurador de seu equilíbrio, uma força estranha tomou conta de sua mente. Ana colocou-se atenta ao ambiente a seu redor, e neste momento, a iluminar aquele lugar frio e macabro, surge aquele homem com a fantasia de arauto irrompendo-se em luz, como se fosse um anjo resplandecente do céu… era Seu Brito.
_ Você? O Arauto? – a perplexidade de Ana a impediu de dizer algo mais.
_ Acalma teu coração minha filha, era necessário que me enxergasse naquela fantasia para que eu pudesse te trazer aqui novamente, disse Seu Brito estendendo-lhe a mão num convite amoroso.
Sem entender o que lhe acontecia, Ana apenas atendeu ao pedido daquele que agora se apresentava tão doce e cativante e levantou-se junto dele. Seu Brito perguntou-lhe: _ Olhe com atenção e me diga o que vê?
_ Uma viatura, policiais e… – ela titubeou por um instante e prosseguiu.
_ Aquele homem algemado, acho que o conheço. Aquele arrepio frio a lhe percorrer a espinha voltou.
_ Acalme-se, àquele é apenas alguém que pela sintonia sombria da alma, desgraçou a si mesmo e pôs a perder toda a jornada da existência, pelo próprio desatino. Aqui e agora, já está diante dos caminhos de dor que o recomeço lhe exigirá como pagamento. Um dia o encontraremos novamente, mas deixemos isso para a hora certa! – redarguiu Seu Brito com nova pergunta:
_ Quem mais você está vendo?
O coração de Ana bateu forte, palpitando de alegria – _ É ela… é minha mãezinha querida! Mas Por que está ali ajoelhada? Por que está chorando? Quem é aquela caída em seus braços? – havia um misto de inquietação em sua alegria. Com enorme brandura, Seu Brito tomou-a num abraço e disse-lhe: _ Vamos lá, você verá por si mesma.
Ana estremeceu, mas tomada por uma força que estranhamente aquele homem lhe trazia, seguiu em frente e então exclamou: Não pode ser! Sou eu?
_ Sim, minha filha, o destino inexorável da existência assim seguiu o curso em sua direção. O Carnaval certamente é para os vivos um momento de alegria e diversão, contudo, quando a euforia toma o lugar da alegria, a diversão pode muita vez se transformar num perigoso desvio das trevas que reside nas mentes sombrias dos que trafegam embevecidos pelos sentidos da ilusão. Ignorantes de seus atos, são os instrumentos do mau a causar dor e sofreguidão naqueles que à força dessa atração nefasta, se colocam em seus caminhos.
Ana, entre lágrimas e suspiros, escutava atenta o que Seu Brito lhe dizia:
_ Resignação, minha filha, é a chave da continuidade da existência. Como pode ver, a vida não termina aqui, este é apenas mais um recomeço. Olhe ali, lá, entre aquelas velas acesas no chão e as preces fervorosas sussurradas por sua querida mãezinha, você pode experimentar uma conexão profunda com o mundo espiritual. A fé e o amor de sua mãe é que permitiram que aqui eu estivesse com você.
_ Ana, minha filha, no meio da celebração carnavalesca, entre o frenesi descontrolado da festa e a dor da mudança repentina, você descobriu uma nova realidade, que até aqui entendia como a realidade de sua vida. Agora, te resta aceitar o convite dessas preces e, seguir junto a Jesus. Vamos comigo?
Ana, entre júbilo e tristeza, abaixou-se, beijou sua mãezinha num doce gesto de adeus e seguiu resignada junto a Seu Brito. Novas experiências estão a sua espera.
Assim, onde o Carnaval e os desatinos se entrelaçam, a Doutrina Espírita revela que a festa vai além das aparências, ultrapassando os limites da realidade física e tocando as dimensões mais profundas da dor e do destino.
É nesse encontro, entre o terreno e o espiritual, que a cidade se transforma no palco das lidas efêmeras da vida onde os foliões dançam ao som da música frenética e os Espíritos Amigos do mundo celestial velam pelo equilíbrio da existência celebrando sua eterna conexão com o divino.

Roberto Marco

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Revisor Linguístico, Palestrante e Instrutor Espírita.